Não é de hoje a discussão sobre a questão de utilizar ou não aventuras prontas, inclusive começando pelo termo “aventura pronta”. Não existe aventura pronta, sem que, de fato, ela já tenha sito escrita, jogada e finalizada.
As venturas pré-montadas ou pré-prontas, assemelham-se a fazer um bolo. Para se fazer um bolo são necessário pelo menos 4 etapas:
-Separação dos ingredientes;
-Estudar a receita do bolo;
-Fazer a mistura e processamento dos ingredientes;
-Analisar o resultado final;
Separação dos Ingredientes:
A maioria das aventuras pré-prontas indica todos os elementos presentes da mesma: vilões, npcs, puzzles, desafios e ganchos da trama. Esses são os ingredientes do bolo. É necessário saber se cada um desses elementos é suficiente e compatÃvel com a aventura que deseja contar. Não adianta envolver monstros gigantes ou uma trama global, quiçá universal, quando a ideia é fazer um negócio minimalista onde pessoas comuns lutam pelo pão de cada dia. A qualidade dos elementos vai fazer diferença no resultado desejado a ser conquistado, dependendo da proposta almejada. Isso tem muito a ver com coerência do mundo que a aventura se passa.
Outro ponto a ser analisado é toxicidade dos elementos desta aventura: isso pode ser analisado sobre duas perspectivas: A primeira é complexidade.
Principalmente em relação a puzzles e desafios, levando-se em consideração que o objetivo comum é o entretenimento e diversão, não adianta colocar desafios de nÃveis complexos demais que podem acabar com o ritmo de uma aventura e desviar do objetivo, que é a diversão. Os desafios têm que estar compatÃveis com o nÃvel dos jogadores para que a interação seja satisfatória. O outro lado disso, que deturpa totalmente o objetivo de um desafio, é deixar as coisas serem resolvidas a base de jogadas de dados. Dados e rolagens de dados não desenvolvem pessoas. Seria mais uma escapatória preguiçosa para solucionar um problema, justamente pelo desnivelamento intelectual do desafio e do jogador. Eu particularmente não sou fã desse método.
O segundo ponto da toxicidade é a natureza do elemento.
Objetivamente falando, existem pessoas que carregam traumas particulares e que não deveriam ter que passar por situações complicadas, mesmo na fantasia. Nada justifica, intencionalmente, que um mestre (ou jogador) utilize de elementos que podem prejudicar, fÃsico ou psicologicamente falando, outro jogador que esteja a mesa. Além do senso comum e convÃvio social, é necessário que o mestre tente descobrir particularidades dos jogadores que possam ser afetadas dentro na narrativa pretendida.
Como exemplo quero citar uma aventura que narrei em que alguns dos desafios, em uma caverna escura, eram aranhas gigantes. Previamente e erroneamente, não cheguei a perguntar se algum dos jogadores tinha algum problema com isso. Me surpreendeu quando um dos jogadores mais casca-dura e mais zoeiro ficou falando que tinha medo de aranhas e iria ficar mutando seu fone de ouvido. Inicialmente pensei que seria zoeira, mas ele de fato me relatou, posteriormente, que tinha sim aracnofobia. Obviamente tomei cuidado a partir do momento que soube desta informação. Se você se importa com a saúde da sua mesa, alerte-se para saber o que pode ser tóxico, de forma particular, a cada um dos que compõe a sua mesa. Assim como existem pessoas intolerantes a leite ou glúten, pode ter algo tóxico na sua aventura.
Estudar a receita do bolo:
A segunda etapa está totalmente ligada a primeira, já que depois de avaliar a qualidade dos elementos que comporão nosso bolo, é necessário saber o que fazer para a receita ser concluÃda com sucesso. Vai que tem um ovo estragado ou o leite está azedado.
Apenas elementos de qualidade não vão garantir que seu bolo fique pronto e comestÃvel. Há medidas a serem respeitadas, tempos a serem observados e misturas, em ordens corretas e serem seguidas. Ler toda a aventura, entender onde os elementos se encaixam, os ganchos que levam aos eventos, as motivações nos npcs e locais existentes é fundamental.
Se o mestre não tiver essas coisas com clareza na mente, pode ser até que o bolo fique comestÃvel, mas talvez a aceitação dependa muito da capacidade do consumidor de relevar certas coisas em favor da pessoa que trabalhou para entregar aquele produto. Porém como a intenção é fazer o bolo da melhor maneira possÃvel, saber o contexto da aventura, como os npcs se encaixam nos seus papéis e como eles agregarão algo interagindo com os jogadores é um elemento que fará diferença na mesma. Obviamente que cabe nessa fase fazer algumas adaptações.
Dependendo do lore do munto, do contexto social e econômico que você deseja apresentar nessa aventura, pode ser necessário, e totalmente aceitável, fazer algumas modificações e adições a esta receita. As vezes você pode querer o bolo um pouco mais doce, ou menos; que fique um pouco mais fofo, mais firme ou mais mole. Da mesma forma, algumas modificações e melhoramentos podem ser feitos para deixar uma aventura mais ou menos descontraÃda, mais ou menos perigosa, mais ou menos verossimilhante a nossa realidade.
Uma ótima dica para tentar colocar isso me prática, além do estudo prévio e sério da aventura, é planejar ela de forma que tenha coerência. Por que será que o vilão quer fazer isso? De acordo com a Ãndole de tal npc, ele faria o quê diante daquela situação? O npc tal é assim por quê? O que aconteceu no seu passado? Isso é relevante para a aventura ou histórico dos jogadores? Onde isso vai levar os jogadores? Esse fato faz a aventura caminhar ou regredir?
Todas essas perguntas são relevantes quando se deseja acrescentar sabor a uma aventura pré-pronta que está sendo de fato preparada.
Os duas outras etapas desse bolo nós veremos na parte 2.
Até mais.